Funcionário que Não Usa EPI: Pode Gerar Justa Causa?
- FBC Advocacia
- 2 de set. de 2024
- 4 min de leitura
O Equipamento de Proteção Individual (EPI) é essencial para garantir a segurança dos trabalhadores em diversos setores da economia. Empresas de todos os portes e segmentos têm a responsabilidade de fornecer os EPIs adequados e garantir que seus colaboradores estejam devidamente treinados para utilizá-los. No entanto, a recusa ou negligência por parte do funcionário em usar o EPI pode gerar complicações não apenas para a sua saúde e segurança, mas também para a empresa. Diante desse cenário, surge uma questão crítica: a recusa do funcionário em utilizar o EPI fornecido pode justificar a demissão por justa causa?
A Importância dos EPIs na Segurança do Trabalho
Os Equipamentos de Proteção Individual são obrigatórios em diversas atividades laborais e têm como objetivo proteger os trabalhadores de riscos à saúde e integridade física. Desde luvas e capacetes até máscaras e óculos de proteção, os EPIs desempenham um papel crucial na prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. A legislação brasileira, em especial a Norma Regulamentadora NR 6, estabelece que o fornecimento e a utilização dos EPIs são de responsabilidade tanto da empresa quanto dos trabalhadores.
Obrigação da Empresa e do Empregado em Relação aos EPIs
A empresa tem o dever legal de fornecer gratuitamente os EPIs adequados ao risco, bem como de treinar os trabalhadores sobre a correta utilização, conservação e substituição desses equipamentos. Além disso, é responsabilidade do empregador supervisionar o uso adequado dos EPIs durante a jornada de trabalho.
Por outro lado, o empregado tem a obrigação de utilizar os EPIs conforme as instruções recebidas e de comunicar qualquer irregularidade ou problema com o equipamento. A recusa injustificada do trabalhador em usar o EPI, após receber todas as orientações necessárias, pode configurar descumprimento das normas de segurança do trabalho, o que levanta a questão da aplicação da justa causa.
Recusa no Uso de EPI e Justa Causa: Uma Análise Jurídica
A justa causa para demissão é um mecanismo previsto na legislação trabalhista para situações em que o empregado comete faltas graves, que tornam insustentável a continuidade do vínculo empregatício. O artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) traz uma lista de hipóteses em que a justa causa pode ser aplicada, como atos de indisciplina, insubordinação e desídia.
A recusa em usar o EPI pode ser enquadrada como ato de insubordinação ou de indisciplina, dependendo das circunstâncias. Contudo, é importante que a empresa observe certos requisitos antes de tomar essa decisão, garantindo que a demissão por justa causa seja devidamente fundamentada.
Requisitos para a Aplicação da Justa Causa
Orientação Prévia e Treinamento
A empresa deve ter provas de que forneceu o EPI adequado e que o trabalhador foi devidamente treinado sobre a importância e o uso correto do equipamento. Documentos como fichas de entrega de EPI, registros de treinamentos e assinaturas do colaborador são essenciais para demonstrar que a empresa cumpriu com suas obrigações.
Advertência e Comunicação
Antes de aplicar a justa causa, é recomendável que a empresa adote medidas progressivas de disciplina. Advertências verbais e escritas devem ser aplicadas ao funcionário que se recusa a usar o EPI, e essas advertências devem ser registradas. A empresa também deve comunicar ao trabalhador as possíveis consequências de sua recusa, incluindo a demissão por justa causa.
Investigação e Documentação
A empresa deve investigar o caso para confirmar que a recusa do funcionário não foi motivada por problemas no próprio EPI, como defeitos ou desconfortos extremos. Caso esses fatores sejam descartados, a empresa deve documentar o incidente de forma detalhada, incluindo a recusa do trabalhador e as ações tomadas pela empresa para resolver a situação.
Jurisprudência e Casos Relevantes
Decisões judiciais anteriores podem fornecer insights importantes sobre a aplicação da justa causa em casos de recusa no uso de EPI. A jurisprudência brasileira tem mostrado que a aplicação da justa causa é aceita quando a empresa demonstra claramente que o trabalhador foi advertido e orientado sobre o uso do EPI, e ainda assim, persistiu na recusa.
Em alguns casos, os tribunais consideraram a justa causa válida, especialmente quando a recusa do empregado colocou em risco sua própria segurança ou a de terceiros. Por outro lado, houve decisões em que a justa causa foi revertida, quando se constatou que a empresa não havia adotado todas as medidas necessárias para garantir a utilização correta do EPI.
Consequências para o Funcionário e para a Empresa
A demissão por justa causa resulta em prejuízos significativos para o trabalhador, que perde o direito a diversas verbas rescisórias, como aviso prévio, férias proporcionais e saque do FGTS. Para a empresa, a aplicação da justa causa, quando bem fundamentada, demonstra o compromisso com a segurança no ambiente de trabalho e a seriedade com que trata as normas de proteção dos seus colaboradores.
No entanto, uma aplicação inadequada da justa causa pode levar a disputas judiciais, danos à reputação da empresa e custos adicionais com litígios. Por isso, é fundamental que a decisão seja tomada com base em uma análise cuidadosa dos fatos e da legislação aplicável.
Conclusão
A recusa do funcionário em utilizar o EPI fornecido pela empresa pode, sim, justificar a aplicação da justa causa, desde que a empresa tenha cumprido rigorosamente suas obrigações legais de fornecimento, orientação e advertência. Cada caso deve ser analisado individualmente, considerando as particularidades do ambiente de trabalho, as circunstâncias da recusa e o histórico do empregado. Empresas que adotam políticas claras de segurança e documentam adequadamente suas ações estão mais bem preparadas para lidar com esses desafios de maneira eficaz e justa.
Quem escreveu esse artigo?
Dra. Karoline Cunha:
Advogada Especialista em Relações do Trabalho, Negócios e Conformidade
Mestre em Fundamentos e Efetividade do Direito (UniFG)
Consultora em Demissões por Justa Causa
Expert em atuação no Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT da 5ª Região)
Professora e Pesquisadora do Mundo do Trabalho
@profkarolinecunha